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máscaras incompletas. seres incompletos.

por Márcia Arnaud


há uma certa sensação de liberdade de podermos ser quem quisermos durante uns dias por

ano, de podermos encarnar os nossos piores medos ou os nossos maiores desejos.

canalizar aquilo que nos inquieta por dentro, dar-lhe corpo e personalidade sentindo-nos

capazes de os conquistar. talvez nos sintamos empoderados por percebermos que afinal

até é possível fazê-lo, sê-lo, mesmo que por um curto período de tempo. aliás, talvez aquilo

que nos liberte realmente seja o facto de ser limitado no tempo, estarmos certos de que não

podemos tudo a todo o instante mas que, naqueles instantes podemos (esquecemo-nos

facilmente como os limites trazem mais segurança do que aquilo que gostamos de admitir).

se esta brincadeira dos disfarces pode ter um impacto grande nos adultos, imaginemos o

impacto nas nossas crianças, aquelas que estão constantemente a encenar aquilo que as

angustia por dentro e que as faz vibrar. as brincadeiras que criam onde experimentam o que

é ser o vilão e o herói; o que é ser pai e filho; o que é ser submisso e omnipotente; o que é

ser quem ataca e quem cura; quem agride e quem repara. estas encenações são

essenciais ao seu crescimento. mas será que não estamos a interferir nelas?

tenho ouvido falar que as escolas, e muitos pais (bem sei!) têm proibido certos aspetos

destes disfarces. os polícias têm de se apresentar agora ao serviço sem pistolas. os piratas

têm de esconder as suas espadas e fazer crescer a mão outrora em gancho. os vampiros

têm de arrancar os seus caninos afiados. as bruxas têm de largar as suas vassouras

voadoras e aprender a andar com duas pernas. onde queremos chegar com isto, afinal?

mesmo na altura do ano em que toda uma sociedade nos dá aprovação para sairmos do

nosso corpo e experimentarmos um outro, de corrermos o risco do ridículo e ousarmos ir

além do que nunca ousámos, nós cortamos as asas às nossas crianças. damos-lhes

permissão apenas para envergar máscaras incompletas, não lhes dando espaço para

encenarem tudo o que precisam para eles próprios se tornarem completos.

porque é que continua a ser tão difícil para nós deixar as nossas crianças viver a sua

agressividade? se nem as deixamos brincar com ela, como achamos que vão

conseguir aprender a geri-la?



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