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a intolerância é uma ferida de crescimento

  • Foto do escritor: Filipa
    Filipa
  • 20 de nov.
  • 3 min de leitura

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por márcia Arnaud




vivemos a apregoar a tolerância. as redes sociais inundam-os com frases motivadoras. a religião prega pela sua importância numa vida satisfatória. os meios de comunicação invadem-nos com notícias que julgam todos aqueles que não foram capazes de o fazer, servindo-nos de exemplo. contudo, parece que pouco se fala da razão para tamanha dificuldade. contabilizamos as falhas. apontamos as consequências. atribuímos prémios. damos exemplos. mas não questionamos - tal como fazemos com a maioria dos assuntos que incomodam, saltamos logo para as soluções (geralmente forçadas ou punitivas), sem tentar compreender sequer o que se passa.


afinal, porque será tão difícil tolerar a diferença?


comecemos pelo início. uma das tarefas mais importantes do nosso desenvolvimento passa pelo equilíbrio entre a identificação e a diferenciação - dois processos essenciais para o crescimento. ora, de forma simplificada e redutora,:


1. começamos, mesmo nos primórdios da nossa existência, a distinguir o eu do não-eu - o mundo cá fora de nós próprios.

2. depois de muito experienciar esta diferença, e os seus limites preliminares, começamos a introduzir a imitação. olhamos o outro e aprendemos com ele, conhecemos o mundo e a nós próprios pelo que nos é apresentado pelos nossos.

3. chega, no entanto, um momento em que não podemos mais só imitar e seguir os gestos do outro. começamos a reconhecer os impulsos dentro de nós, as vontades e desejos, a perceber como contrastam com os dos outros e começamos a impor-nos.

4. a necessidade de nos diferenciarmos acaba por acalmar quando precisamos de sentir que pertencemos ao grupo, levando a nos identificarmos com os pares, a retomar a imitação, e a diferenciar-nos dos adultos.

5. eventualmente, acabamos a voltar à necessidade de distância para “selarmos” quem somos.


desengane-se se acha que acaba na adolescência este jogo entre identificação e diferenciação. é uma dinâmica interna constante dentro de nós e, dependendo de como ela foi sendo feita, vai-se tornar mais ou menos difícil vivê-la em adulto. dependendo de como precisámos de nos impor, de nos diferenciarmos ou, pelo contrário, de nos identificarmos com o outro; de como estamos seguros, agora, de nós e das nossas características ou não, que vamos acolher melhor ou pior a diferença.


quando ousam ser diferentes à nossa frente, somos declaradamente colocados em causa. ao esfregarem-nos na cara a diferença, nos seus actos, atitudes, pensamentos, perspectivas ou crenças, focam a nossa cegueira, tantas vezes propositada. fazem-nos confrontar com a possibilidade de que há outros caminhos, outras hipóteses, outras atitudes. ora, para nos colocarmos em causa e sobrevivermos, precisamos de estar seguros na nossa pele, da possibilidade da mudança e de incoerência.


descartamos então tudo o que é diferente quando não temos espaço interno para acomodar o questionamento e a mudança. não toleramos o diferente porque encará-lo significaria destruir o castelo de cartas em que crescemos e que nos suporta a cada dia. não querendo ser obrigados a viver o sofrimento de reconstruir as nossas fundações obsoletas, de atualizar o nosso sistema interno questionando tudo o que fizemos e somos, fechamos os olhos, criamos muros e sedimentamos ainda mais as nossas convicções, deixando-as mais protegidas de qualquer vendaval que possa sequer insurgir.


a rigidez e a intolerância, são assim formas de nos protegermos contra aquilo que nos deixa inseguros. fechando os olhos a tudo o resto, conseguimos ficar mais confortáveis no lugar que escolhemos. intocáveis na nossa fragilidade. firmes na nossa insegurança. a intolerância é, portanto, um sintoma muito mais profundo do que qualquer quote de Instagram de revelar. é uma ferida de crescimento que precisa de ser olhada.



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