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A saúde mental na infância

  • Foto do escritor: Filipa
    Filipa
  • 9 de out.
  • 4 min de leitura

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Por Filipa Maló Franco



A saúde mental na infância constrói-se no dia a dia, nas relações que a criança estabelece, no corpo em movimento e no espaço que tem para brincar e explorar o mundo. Muito antes de falarmos em diagnósticos ou dificuldades, precisamos de compreender que a base de um desenvolvimento saudável começa numa estrutura relacional segura: um adulto empático, acessível e disponível. A presença deste adulto, que responde de forma sensível às necessidades da criança, oferece-lhe previsibilidade e confiança — dois elementos fundamentais para que ela se sinta segura no mundo. Quando sabe que tem um porto seguro a que pode regressar, a criança arrisca mais, explora mais e cresce com maior liberdade interior.


É neste contexto que a brincadeira livre e o movimento ganham significado. Não são atividades secundárias, mas sim elementos estruturantes da saúde mental infantil. Através do corpo em ação — ao correr, subir, cair e recomeçar — a criança aprende a conhecer os seus limites, a regular-se e a desenvolver competências motoras e emocionais essenciais. O movimento organiza o cérebro e sustenta a aprendizagem. Paralelamente, a brincadeira livre, não dirigida e sem objetivos pré-definidos, é muito mais do que um momento de lazer: é um espaço onde a criatividade floresce, a imaginação se expande e a criança experimenta hipóteses, resolve problemas e constrói significado sobre si e sobre o mundo.


Infelizmente, vivemos num tempo em que tudo isto parece estar em risco. As crianças vivem cada vez mais condicionadas, com o seu tempo estruturado por agendas, horários e decisões impostas pelo adulto. Há um medo constante do tédio e uma perceção do mundo como perigoso e impróprio, o que leva muitos adultos a restringirem as experiências espontâneas e exploratórias das crianças. Este estado de alerta e controlo constante contamina a infância e transforma o tempo e o espaço infantis em territórios previsíveis e limitados.


Os parques estão frequentemente vazios. As ruas, silenciosas e sem brincadeiras. As escolas, sobrelotadas, com crianças sentadas, vestidas de igual, a aprender todas da mesma forma. Se este cenário soa dramático, é porque o é. Ou, pelo menos, deveria ser. Mas raramente o questionamos. Talvez porque não queremos culpabilizar o adulto. Talvez porque receamos o desconforto de repensar tudo. Talvez porque ainda não compreendemos, enquanto sociedade, a dimensão do impacto que isto tem na saúde mental das crianças.


Quando lhe é dado espaço para brincar livremente, a criança imagina e cria mundos, personagens e histórias, ativando processos mentais complexos e desenvolvendo pensamento simbólico e abstrato — capacidades essenciais para a resolução de problemas e para a construção do pensamento crítico. Explora e experimenta hipóteses, aprende com os erros e encontra soluções criativas — competências fundamentais para a resiliência e para a saúde mental. Ao mesmo tempo, move-se e integra o corpo no processo de aprendizagem, desenvolvendo consciência corporal, coordenação e autorregulação. E nas interações com os outros, aprende a negociar regras, a lidar com a frustração, a esperar a sua vez e a cooperar, experiências fundadoras da empatia, da tolerância e da capacidade de construir relações saudáveis.


Tudo isto acontece sem planos rígidos, sem instruções e sem resultados pré-definidos. É no espaço livre, no tempo não programado e no erro que a criança constrói os alicerces da sua saúde mental. Mas nenhuma destas experiências se sustenta sem a presença de um adulto disponível e responsivo. Uma vinculação segura dá à criança a confiança necessária para explorar o mundo e voltar quando precisa. É nesse equilíbrio — entre liberdade e estrutura, entre autonomia e presença — que a saúde mental se fortalece desde o início da vida.


Proteger a infância significa, por isso, proteger a relação, o movimento e a brincadeira livre. Significa reconhecer que a saúde mental não nasce apenas de intervenções tardias, mas é construída todos os dias, nas interações mais simples, nos momentos de descoberta e no espaço que damos às crianças para simplesmente serem crianças.


Mesmo com tudo isto em mente, é importante lembrar que as crianças não têm a mesma capacidade que os adultos de reconhecer e verbalizar o seu mal-estar. Muitas vezes, o corpo e o comportamento falam primeiro. Estar atento a sinais precoces pode fazer toda a diferença na prevenção de dificuldades futuras.


No domínio emocional e comportamental, sinais de alarme incluem mudanças bruscas e persistentes de humor, como irritabilidade, tristeza, apatia ou explosões frequentes; medos intensos e desproporcionais, regressões ou dependência excessiva do adulto; reações de ansiedade perante situações quotidianas ou evitamento constante de contextos sociais; e dificuldade acentuada em tolerar frustração ou em lidar com pequenas mudanças na rotina.


No domínio da imaginação e criatividade, deve merecer atenção a redução significativa da capacidade de brincar ou de inventar histórias, brincadeiras muito repetitivas, rígidas e sem simbolismo, ou a falta de interesse por jogos e atividades espontâneas que antes eram prazerosas.


No domínio do movimento e do corpo, podem ser sinais de alerta a inibição motora, quando a criança evita mover-se ou explorar, o evitamento de atividades físicas simples sem motivo médico aparente e alterações no sono, no apetite ou queixas físicas frequentes sem causa orgânica identificada.


No domínio das relações, é importante observar sinais como isolamento persistente ou dificuldade em estabelecer e manter ligações com outras crianças, interações muito agressivas ou de controlo excessivo e falta de resposta emocional a expressões de afeto ou dificuldade em procurar consolo quando está triste ou magoada.


Estes sinais, isoladamente, não significam sempre que existe um problema grave, mas quando são persistentes, intensos ou interferem com o dia a dia da criança, é fundamental procurar avaliação especializada. Reconhecê-los a tempo permite-nos agir precocemente e, acima de tudo, criar condições para que a infância volte a ser o que deveria ser: um espaço de relação segura, movimento, brincadeira, imaginação e saúde mental.


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