Bebés reborn - Parte II
- Filipa
- 12 de jun.
- 2 min de leitura

Por Rita Fernandes
O mercado dos bebés reborn, que começou por ser algo restrito a colecionadores, tem vindo a crescer bastante nos últimos anos. Atualmente, já existem empresas inteiramente dedicadas à criação e venda destes bonecos, que para muitas pessoas são tratados como se fossem bebés de verdade. Aquilo que em tempos foi uma curiosidade da internet ou uma forma de expressão artesanal transformou-se, hoje, numa indústria que movimenta milhões. E com esse crescimento, surgem também perguntas importantes sobre as intenções por trás do negócio, os seus impactos e as responsabilidades de quem o lidera.
Há uns dias, a Márcia Arnaud lançou uma pergunta que que nos convida a uma reflexão: onde está a ética profissional de quem lucra com este tipo de sofrimento? (ver texto no blog)
É importante começar por reconhecer o lado artístico envolvido na criação de um reborn. Estes bonecos são muitas vezes pintados à mão, com várias camadas de tinta que simulam a textura da pele humana, veias, pequenas manchas e imperfeições. Os cabelos são aplicados fio a fio, e os corpos têm um peso e uma textura que imitam os de um bebé verdadeiro. O nível de detalhe é impressionante, e para muitos artistas, esta é uma forma genuína de expressão e beleza.
Mas quando esta arte passa a ser um negócio — e sobretudo quando se expande — inevitavelmente surgem conflitos entre a intenção original e os interesses comerciais. Algumas empresas perceberam o forte impacto emocional destes bonecos e começaram a investir em campanhas de marketing que tocam diretamente em fragilidades humanas, como a perda gestacional, a infertilidade ou a solidão. Em muitos casos,apresentam os reborns como uma “cura” para a dor, como substitutos reais ou até soluções terapêuticas garantidas — algo que, do ponto de vista clínico, é irresponsável e até perigoso.
Outro aspeto que merece atenção é a crescente comercialização da maternidade simbólica. Algumas marcas vendem verdadeiros “kits de adoção reborn”, com certidões de nascimento, pulseiras de maternidade, chupetas personalizadas e até contratos simbólicos. Embora isto possa ter um efeito terapêutico para algumas pessoas, há aqui uma linha muito ténue entre acolher uma ausência e alimentar uma ilusão. Ao reforçar esta encenação, a indústria corre o risco de banalizar o luto e empurrar os consumidores para uma realidade paralela, mais confortável, mas por vezes alienante.
Também é importante refletir sobre a responsabilidade social destas empresas. São poucas as que fornecem orientações claras sobre o uso consciente dos reborns ou que incentivam o acompanhamento psicológico quando o vínculo com o boneco vai além do colecionismo. Esta falta de cuidado revela uma falha ética séria: lucrar com o sofrimento ou com o vazio emocional de alguém exige, no mínimo, transparência e compromisso com o bem-estar dessas pessoas.
O universo dos bebés reborn move-se num território delicado, onde se misturam arte, psicologia e comércio. E é justamente por isso que esse espaço deve ser tratado com cuidado, ética e sensibilidade. Em vez de apenas lucrar com a dor, as empresas desta área têm a possibilidade — e a responsabilidade — de contribuir para uma cultura mais atenta, empática e acolhedora.

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