Carta à saúde mental infantil
- Filipa

- 17 de jul.
- 3 min de leitura

Por Olga Reis
E se estivermos a falhar com as crianças sem sequer nos darmos conta?
Querida leitora, querido leitor,
Gostava de te fazer uma pergunta simples, mas que talvez te toque num sítio profundo: quando pensas em “saúde mental”, em quem pensas?
Na maior parte das vezes, pensamos em adultos. Em pessoas esgotadas. Em diagnósticos como ansiedade, depressão, burnout. Em vidas demasiado cheias, emoções demasiado caladas.
Mas... e se te dissesse que a saúde mental não começa na idade adulta? E se aquilo que carregamos hoje nos ombros e no peito começou a formar-se muito antes de sabermos pôr em palavras o que sentíamos?
A saúde mental constrói-se. E começa cedo. Muito antes da escola, muito antes da linguagem, muito antes de sabermos o que é o mundo.
Constrói-se na forma como somos recebidos. Nos braços que acolhem ou que hesitam. Nos olhares que nos reconhecem ou que se desviam. Na capacidade de alguém nos dizer, sem palavras: “Eu estou aqui. Eu aguento-te. Tu és importante.”
Sabias que cerca de 85% do cérebro humano desenvolve-se até aos 3 anos? E que até aos 6 ou 7 anos, 90% do cérebro já está formado?
Este é o período mais decisivo do neurodesenvolvimento. Não se trata de opinião. Trata-se de biologia.
Aquilo que acontece (ou não acontece) nos primeiros anos de vida fica impresso no sistema nervoso. Os primeiros 1000 dias (que incluem a gravidez) determinam como o cérebro vai aprender a regular emoções, formar vínculos, reagir ao stress, confiar, aprender, estar com o outro.
E é por isso que os bebés precisam de presença. Precisam de contenção, de voz, de corpo, de previsibilidade emocional. Precisam de adultos que não lhes peçam para serem autónomos quando o seu cérebro ainda não o permite.
Mas vivemos numa cultura que romantiza a independência precoce. Que diz que chorar é fraqueza. Que chama “manha” à necessidade. Que acha que “ensinar a dormir” é deixar a criança sozinha até desistir de pedir. E este é o verdadeiro desinvestimento social na infância invisível. Aqueles anos em que “ninguém vê”... mas onde tudo se decide.
Uma criança que grita, se descontrola, resiste ao sono ou à separação não está a manipular. Está a dizer:“Estou sobrecarregada. Não sei o que fazer com o que estou a sentir. Preciso de ti!”
E quando não há resposta sensível, o que o cérebro aprende é: “Quando me sinto mal, fico sozinho.”.“As minhas emoções são demais para os outros.”
É assim que nascem os padrões de isolamento emocional. Não de repente. Mas em silêncio. Em pequenas ausências. Em desconexões não reparadas.
Cuidar da saúde mental infantil não é mimo. É prevenção. É proteção. É construção.
É ensinar a uma criança, desde o início, que o mundo pode ser seguro. Que há espaço para ser vulnerável. Que as emoções não assustam quem cuida.
E se por vezes reages com dureza, impaciência ou exaustão...Olha com gentileza para ti. Porque quase sempre, a forma como cuidamos dos nossos filhos reflete a forma como fomos (ou não) cuidados.
Mas isso não te condena. Pelo contrário. Dá-te poder. O poder de fazer diferente. De interromper ciclos. De cuidar... e nesse cuidar, também te cuidares a ti.
Se queremos uma geração emocionalmente saudável, empática, conectada, temos de começar agora. Temos de respeitar o cérebro em crescimento.Temos de priorizar o vínculo, a escuta, a segurança emocional.
Porque crianças emocionalmente acompanhadas tornam-se adultos emocionalmente disponíveis. E o mundo está a precisar — com urgência — disso.
Com carinho,
Olga





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