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quando a realidade é demasiado insuportável - o fenómeno dos bebés reborn

  • Foto do escritor: Filipa
    Filipa
  • 5 de jun.
  • 2 min de leitura




Por Márcia Arnaud



talvez um dos aspetos mais difíceis das relações humanas seja o outro. o outro que nos causa, inevitavelmente, sofrimento por ser, simplesmente, diferente de nós. esta diferença pode doer e ser difícil de elaborar, especialmente, quando toca nas nossas feridas. 


e se pudéssemos ter uma relação tal como sonhámos? e se nos pudéssemos relacionar com alguém que nos espelhe na perfeição? e se não tivéssemos de sofrer com a alteridade do outro? se não tivéssemos de seguir o seu ritmo interno em detrimento do nosso? se não tivéssemos de abdicar do nosso desejo pela nossa consciência/moralidade? e se pudéssemos conservar para sempre a melhor altura (para alguns) da maternidade? e se todo este sofrimento pudesse desaparecer ao anularmos as dores da relação? 


e se não tivéssemos mais de nos focar nas necessidades do outro, porque só as nossas existem? tudo isto sem lidar com as consequências desta anulação, porque o outro simplesmente não existe. e se não tivéssemos mais de nos confrontar com a desilusão no olhar do outro por não correspondermos ao seu desejo? tudo isto porque este olhar é incapaz de expressar desilusão ou qualquer outra emoção, só vazio. e se pudéssemos não nos confrontar mais com a frustração de falharmos com o outro? tudo isto, sem lidar com o conflito que as discrepâncias das relações acartam. e se pudéssemos ter à nossa frente quem toda a vida idealizamos? tudo isto sem ter de perder nada, porque o vazio que encontramos ali será preenchido com o que há dentro de nós: o nosso desejo. 


tudo isto já é possível. já é possível negar a realidade, negar a alteridade e ter uma experiência cem por cento em torno de nós próprios. já é possível ter uma “relação” onde não há frustração. não há erro. não há falha. não há tempo para conhecer quem está do outro lado. não há curva de aprendizagem do outro. não há noites mal dormidas. não há dificuldade na amamentação. não há refluxo que nos estraga a pintura da maternidade. não há idealizações frustradas, nem sonhos por realizar. o bebé reborn é tudo aquilo que quisermos e precisarmos que ele seja, tudo aquilo que um bebé real nunca poderá ser.


não é o boneco reborn que vem carregado com estes simbolismos, atenção, é o uso que parece ser feito dele que se torna assustador. não se trata, portanto, de um brincar, como o das crianças, mas de uma forma de negação da realidade, da dor e do sofrimento. este não é um fenómeno novo. apesar de ser amplamente disseminado nas redes sociais nos dias de hoje, desde 2011 que há relatos destas “relações” em Portugal. 


mas será que podemos, sequer, chamar a isto uma relação quando, do outro lado, não existe um mundo interno? mais, será que faz sentido alimentarmos esta fuga à realidade? onde está a ética profissional de todos aqueles que enriquecem com este sofrimento atroz? uma reflexão que continua no próximo artigo…



 
 
 

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