
Por Márcia Arnaud
Quando vemos afinal as nossas crianças a pegar no telemóvel? No carro enquanto vão para a escola? em casa enquanto comem? Enquanto esperam pela hora do banho? No café enquanto os pais conversam? No sofá enquanto os pais estão a ver televisão? Nos recreios enquanto os amigos brincam a uma brincadeira que eles não querem? Enquanto esperam o João pestana chegar?
Talvez seja o enquanto que faz as nossas crianças pegar nos telemóveis. Talvez seja o enquanto que as deixa a tremer por dentro. Talvez seja o enquanto que as deixa inquietas. Talvez seja o enquanto que as deixa angustiadas. O problema com os enquantos da vida talvez seja o vazio para que as remete e a forma com esse vazio é preenchido. Quando na nossa mente surge conteúdo desligado, sem nexo ou sentido, por vezes angustiante e assustador, não queremos ficar ali.
Desengana-se o leitor se acha que falo de crianças psicopatologicamente doentes, não, falo de todas as crianças. Não nos podemos esquecer que crescer é assustador. Exige um processo de constante elaboração do que se passa no mundo - algo que nem sempre vem com as legendas de que precisam para o fazer. a sua fantasia está ao rubro e preenche todos os espaços em branco com cenários que podem ser muito assustadores.
Retomando o pensamento, não conseguindo dar sentido a tudo isso, as nossas crianças vão querer fugir de ser invadidas por tudo o que vai dentro de si e vão para fora, de preferência para o que as levar para mais longe de si possível. Os telemóveis fazem este papel na perfeição!
Os telemóveis, vídeos curtos e estimulantes, os jogos desafiantes, permitem uma fuga rápida e eficaz. As características destas aplicações permitem, de uma forma muito clara, contornar-se a si próprias e a toda e qualquer fonte de frustração e inundar o seu interior com gratificação. Podemos pensar sobre a constante necessidade de melhorar a tecnologia e de criar escapes à frustração e ao aborrecimento humanos, mas isso seria conversa para outro texto.
Dito isto, tenho as minhas dúvidas que o problema sejam os telemóveis altamente tecnológico e satisfatórios que inventamos. A questão está no seu uso e naquilo que estão a permitir camuflar e nas repercussões de tapar o sol com a peneira. Deixo o desafio: quando tendem as vossas crianças a pedir os aparelhos? Mais, quando tendem os adultos a oferecer-lhes?

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