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“Vou sentir-me assim para sempre?” – Como reconhecemos que estamos deprimidos?

  • Foto do escritor: Filipa
    Filipa
  • 19 de jun.
  • 3 min de leitura



Por Catarina Soares & Raquel Pereira



Como reconhecemos que estamos deprimidos?

Deprimirmo-nos é, em primeiro lugar, sinal de que entrámos em contacto com o nosso verdadeiro sofrimento. A tristeza é uma emoção muitas vezes associada à depressão e assumimos que as pessoas quando estão tristes durante muito tempo, estarão deprimidas. No entanto, a depressão envolve muitas outras emoções, que passam frequentemente despercebidas ou são desvalorizadas. 

A vida traz-nos desafios diários e por vezes momentos que podem ser angustiantes de tal forma que nos sentimos num túnel sem conseguir ver luz. Quando estamos deprimidos estamos cansados. Somos preguiçosos, desligados. Não nos “apetece” fazer coisas. Tudo custa um horror, de energia, de tempo, dizemos (para nós próprios) que não vale a pena. Deixamos de estar presentes e quando estamos, não queremos estar. Não queremos sentir-nos assim. Oscilamos entre momentos em que nos esforçamos para não estar e outros em que fingimos (para nós próprios) que está tudo bem. 

Quando voltamos a estar a sós connosco, o que sentimos é um sentimento de vazio, como se houvesse um buraco dentro de nós por onde se esvaziou toda a nossa vontade de viver. Às vezes pensamos em morrer. Outras vezes pensamos que a nossa vida será sempre assim. Surge medo e culpa.

Quando estamos deprimidos é difícil confiar na vida. Não vimos o brilho que ela pode ter, porque do prisma em que estamos, não há brilho. É tudo preto. 


Onde e quando começa? 

Quando reconhecemos um sofrimento profundo deste tipo em alguém, uma das primeiras questões que surge na nossa cabeça é “onde nasceu este sofrimento?”. Por alguma razão estamos agora neste lugar. E apercebemo-nos que quando adiamos olhar e legendar a tristeza durante dias, meses, anos a fio, um dia algo nos faz sentir uma tristeza tão avassaladora, como uma gota de água que fez o copo transbordar e não há como ignorar os danos.  

Tendemos a ter uma ideia romântica sobre a infância. O nosso cérebro contribui para isto quando procura “esquecer” as experiências dolorosas da nossa vida. Criamos uma espécie de paisagem em que parece que correu sempre tudo bem. Mas ser bebé e ser criança é muito desafiante e não existem infâncias 100% felizes. Não há vida sem tristeza, sem angústia, sem falhas e sem perdas.

Desde que nascemos estamos sujeitos a frustrações, na expectativa de que os adultos que nos amam e cuidam de nós, nos adivinhem e nos deem o que precisamos, mesmo (e principalmente) quando nem nós sabemos do que precisamos. E podemos imaginar a quantidade de vezes em que isto não é possível. Não se trata de culpar os pais. Trata-se de compreender quem fomos enquanto bebés, como foram connosco quando nos sentimos impotentes, dependentes, o que esperaram que conseguíssemos fazer sozinhos. 

Não deprimimos porque há um dia em que não temos algo que queríamos. Não deprimimos porque ficamos tristes. Deprimimos porque muitas vezes quando ficamos tristes, ficamos também sozinhos, e vamos acumulando solidões até nos perdermos dentro de nós. E surge o medo de ficarmos presos num loop de dor. 

Resta-nos a nossa melhor tentativa de entrar em diálogo com as partes de nós mais (inevitavelmente) feridas. 


Vou sentir-me assim para sempre?

Podemos pensar numa depressão, na mesma forma como percebemos um incêndio. Pensamos numa imagem escura e sem vida aparente, que espelha o estado interno de alguém que está deprimido. Ilustra o vazio onde nada parece fazer sentido, onde tudo parece ter morrido. 

Todos nós que já nos sentimos neste lugar de desesperança alguma vez na vida, sabemos o quão difícil pode ser ouvir, mesmo que com a melhor das intenções, frases como “pensa positivo, se olhares bem, tens tantas coisas na vida a correr bem”.  Como se a depressão fosse uma escolha, e, por isso, deixar de sentir também estivesse rapidamente ao nosso alcance. É razoável que nos possamos questionar a seguir “vou sentir-me assim para sempre?”. Talvez sim, talvez não. Há dias em que sim, há dias em que não.

Continuando a analogia do incêndio, podemos pensar que, com tempo, com as chuvas, alguns pontos verdes começam a renascer. Pouco a pouco surgem réstias de vida. Nós também somos assim. As pessoas não são depressões, têm depressões. 

Em nós, a vida surge a partir do amor, do cuidado, da escuta, da atenção, do vínculo, da existência no outro, em nós mesmos e no mundo. E não podemos deixar de pensar também na relação terapêutica que se estabelece no seio de uma psicoterapia. A carbonização interna resultante deste incêndio, quando vivida a dois, permite que consigamos integrar a dor como uma parte de nós, permite que deixemos de lado partes nossas e que possamos ter uma vida mais integrada, mais real, com mais esperança e mais feliz.

Não existe uma fórmula mágica que nos permita ficar imunes à depressão para sempre, mas talvez seja possível que ela se torne uma espécie de visita pontual, com a qual aprendemos a conviver cada vez melhor, sem nos assustar.


 
 
 

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