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Castigos




Por Joana Santos



Castigo, na sua definição da palavra, é uma punição que se inflige a um culpado; mortificação;  tarefa penosa ou grande dificuldade (in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa).


Parece demasiado severo, não parece? E é.


(Ainda) continuamos a insistir nos castigos e numa educação onde passamos a mensagem clara que é sempre o mais forte que vence. Quando já percebemos hoje que os castigos, entre outras estratégias de parentalidade arcaicas, não resultam


E numa dificuldade de saber o que fazer, e de pensar onde é que os limites se inscrevem numa parentalidade mais respeitosa, a literatura continua a mostrar-nos o quão prejudicial pode ser este caminho pelos castigos e que um estilo parental excessivamente reativo tem sido consistentemente associado a problemas de externalização (ex., agressão, impulsividade) durante a primeira infância e os primeiros anos de idade escolar (Campbell et al., 2000; Maccoby, 2000; Rothbaum). & Weisz, 1994; Shaw, Gilliom, Ingoldsby, & Nagin, 2003).


E quando falamos de castigos e de uma parentalidade reativa, falamos numa parentalidade de estilo punitivo, com comportamentos como gritar, ameaçar, bater, comandos negativos e críticas frequentes. E se há castigos que são facilmente identificados como negativos, há outros, que à boleia de uma camuflagem dita “respeitosa”, são tudo menos isso. E implementados frequentemente em escolas e locais, que na sua tentativa de ajudar, desajudam.


Castigos como ir para a “cadeirinha do pensamento”; virar de costas para a parede; ir para a sala dos bebés; retirar um privilégio à criança; ficar sem recreio; ficar sentado na mesa sem poder sair; ameaçar e gritar; entre outros, até podem estar disfarçados de boas intenções, mas acarretam consequências muito negativas, sem o impacto ao qual se predispõem.


E se há idades, em que as consequências existem, a par da responsabilidade, na infância e principalmente, primeira infância, olhando o desenvolvimento humano, não é através do medo, do “pensar” e do castigo, que se consegue que a criança aprenda a lidar e regular as suas emoções. E muito menos que se compreende a necessidade por trás do comportamento e se acolhe e se escuta a criança, que precisa que o adulto a co-regule, compreenda e acolha. Sem nunca perder de vista, que não é através do pensamento que as crianças se conectam com as suas emoções, mas sim, através do toque, do movimento e do outro.


Os castigos, na verdade, não educam. Nem a permissividade desmedida o faz, atenção. Educar é guiar a criança num comportamento ajustado e é promover a empatia, a compreensão, regulação emocional e compaixão. Os limites, não são sinónimo de castigos, e existem sim formas de ajudar a criança a percebê-los, de forma respeitosa e adaptada. 


A educação é um investimento a longo prazo.


Vamos então por partes:

Os castigos não resultam.

A ideia do castigo é “ensinar à criança como se comportar de forma adequada” e parece que é bem sucedido quando ela se sente mal com o que fez. Contudo, castigá-la (ou optar por estratégias reativas) irá gerar nela sentimentos de inadequação, raiva, injustiça e vergonha. E como é que alguém, sentido este cocktail de emoções e com cérebro inundado de stress, adrenalina e cortisol, vai conseguir compreender o erro? Não vai. 


Mais, quando os pais têm dificuldade em controlar as suas próprias emoções e são reativos, a capacidade da criança em regular as suas emoções vai ser afetada (Chang, Olson, Samer off, & Sexton, 2011; Eisenberg et al., 1999), gerando stress (Morris et al., 2002; O'Leary, Slep, & Reid, 1999) e sentimentos de raiva (Dix, 1991; Scaramella & Leve, 2004).


O cérebro dos nossos bebés e/ou crianças nos primeiros anos de vida é bastante imaturo. Os neurocientistas propõem que a estrutura responsável pelo, planeamento, tomada de decisão, resolução de conflitos, autocontrolo e regulação emocional (o nosso córtex pré-frontal) só se encontra totalmente desenvolvido por volta dos nossos 25/ 30 anos (Tamnes C., Østby Y., Fjell A., Westlye L., Christian K., Due-Tønnessen P., & Walhovd K., 2010; Mills K., Yeatman J., Munson B., Taylor K., Mori S., Ofen J. & Dean III, D, 2016). 

Repito, 25/30 anos. 


Um cérebro imaturo é mais impulsivo. Reage. A criança não premedita o erro e nem sempre consegue pensar (ainda) nos comportamentos antes de agir. É aqui que o adulto deveria entrar - ensinar a criança a regular-se e não desregulá-la usando o seu trunfo de autoridade.

Mais ainda, quando ordenamos à criança que pense e reflita sobre o que fez para depois fazer diferente, estamos a pedir-lhe uma tarefa cerebral substancialmente difícil para crianças durante a primeira infância, dos zero aos seis anos. No caso das crianças na primeira infância, o pensar sobre um comportamento num momento de grande desregulação emocional é algo neurologicamente impossível, principalmente dos zero aos 3 anos. Então, o papel do adulto deverá ser de ajudar. Compreender. Validar e acolher as emoções que a criança está a sentir. Ajudá-la a pensar em soluções. Promover alguma compreensão, ajustando ao estágio de desenvolvimento da criança. 


Os castigos não educam


Educar é guiar a criança num comportamento ajustado envolto em valores morais e sociais. É promover a empatia, a compreensão e compaixão. Educar não é castigar para equilibrar a balança - se tu me magoas e eu te magoo com o meu castigo, fica tudo reparado no fim. 

E disciplinar é ensinar e ajudar a criança a refletir e a encontrar as soluções para quando se vir numa situação semelhante. Logo, castigar também não é dar disciplina. 


O que lhe propomos aqui, este tipo de educação e disciplina, é um investimento para o futuro (não vamos ver o resultado no imediato), é ajudar a criança a tornar-se um adulto regulado. Embora um grito ou um castigo pareça ter um resultado imediato, o que acontece não é aprendizagem de valores e comportamentos ajustados para o futuro. É apenas uma paragem do comportamento errado por medo, receio e tristeza.


“Mas para algumas crianças o castigo resulta”.

“Resulta”, a custo de uma revolta interna com o seu eu - um pensamento de inadequação, injustiça e de que é “mau”.


E queremos que as nossas crianças cresçam a acreditar que é preciso fazer o outro sentir-se mal para resolver os problemas?


Pelo contrário, creio que queremos “alimentar” empatia, compaixão, compreensão pelo outro. Então a nossa dica é: aproveitem bem todos esses momentos de “desajuste”, podem ser verdadeiros momentos de aprendizagem. Aproveitem para ensinar repetidamente o cérebro da criança a regular-se, partindo sempre da co-regulação.


Como nos mostra a literatura, um relacionamento positivo com os cuidadores fornece uma forma de apoio social, que aumenta os recursos psicológicos (por exemplo, autoestima) e, portanto, permite que os adolescentes lidem com eventos stressantes (Barber, B., Stolz, H., Olsen, J., Collins, A., & Burchinal, M., 2005)


E com este olhar de observação e de compreensão pela criança vão reparar que muitas das vezes o que para o adulto era um comportamento desadequado, para a criança era apenas exploração e observação de como o mundo funciona. 





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